Torcedoras falam sobre como a má fase do Vasco pode afetar a saúde mental Segunda-feira, 29/11/2021 – 18:42 O domingo que havia começado doce para o vascaíno terminou, como tantos outros em 2021, angustiante. A alegria com a derrota do Flamengo na final da Libertadores, no sábado, logo se deparou com os sentimentos ruins que os 3 a 0 para o Londrina, pela última rodada da Série B, despertaram. A colher de chá na saúde mental durou pouco, bem menos do que a torcida do time da Colina precisa. O futebol, que oferece tantos prazeres, também pode ser um inimigo do aspecto emocional do torcedor. É o outro gume da faca, quando se estabelece um vínculo tão forte com um time: se as vitórias em campo são as vitórias da torcida, a derrota é o fracasso do próprio apaixonado. Quando a fase ruim se prolonga por anos, como é o caso do Vasco hoje, os efeitos podem ser duros. Flávia Gonçalves de Siqueira trabalha com relacionamento com clientes e vive intensamente o Vasco, seu “amigo mais querido, carinhoso, mas também o mais problemático”. Este ano, sentiu tonteiras depois da derrota para o CSA. Durante o jogo contra o Operário, em que o time foi derrotado no dia de seu aniversário de fundação, sentiu a mão trêmula e as pálpebras dos olhos tremerem: — Sou uma pessoa isolada? Sim. Tomo remédio para me acalmar? Sim. Mas ninguém vai entender que isso é por causa de um time de futebol. Você acaba sendo grosseiro no trabalho, com sua família. Não consegue fazer suas coisas direito porque está abalado e parte disso é por causa do Vasco. É muito triste ver seu time assim e não poder ajudar. Não faltam relatos de pessoas que sofrem com distúrbios alimentares, crises de ansiedade e insônia, por causa da má fase do time do coração. Hoje o vascaíno sofre no Rio, enquanto o cruzeirense padece em Belo Horizonte, rumo à terceira temporada seguida na Série B. No passado foram outros na mesma situação. Propício para depressão A má fase do time afeta a autoestima do torcedor mais apaixonado, que muitas vezes encontra no futebol um contraponto para frustrações em outras áreas da vida. O clube rico traz a fartura que falta ao torcedor em má condição financeira. Trata-se de uma relação quase erótica, como se o futebol fosse um falo simbólico, afirma a psicóloga do esporte Paula de Paula, doutora em psicologia social, professora da PUC-MG e ex-treinadora de vôlei. Para ela, características do Brasil, país com desigualdades socioeconômicas muito fortes, atribuem ao futebol a capacidade de passar ao torcedor a sensação de que ele ascende socialmente com a vitória de seu time, e passa a ser alguém mais respeitado na coletividade. Quando isso não acontece, o risco de um quadro depressivo é grande. — Pelo fato de o futebol ter se tornado algo capaz de representar simbolicamente o brasileiro, ele tem essa capacidade de mexer tão fortemente com o narcisismo das pessoas. Ainda assim, conversar sobre os males que a má fase de um time pode causar ao torcedor parece ser um tabu. Estudos sobre a psicologia no esporte focam mais nos atletas do que nos torcedores. Quando a torcida é objeto de estudo, muitas vezes o fenômeno das torcidas organizadas e seus aspectos violentos é que estão no centro da reflexão. Mariana Barata, 20 anos, estudante de psicologia, tinha receio de falar sobre o que sentia por causa de Vasco nas sessões de análise: “eu achava que me achariam doida”. Felizmente, encontrou na terapia um lugar acolhedor para abordar abertamente como o time afeta suas emoções. Ela acredita que o futebol ainda é um meio pouco propício para tratar de saúde mental da torcida. E que isso dificulta a vida do torcedor que gostaria de expressar mais suas emoções, quando não é o prazer da vitória que está pulsando. — O ambiente do futebol ainda é cheio de paradigmas, questões que não conseguimos debater: é a torcedora mulher, é o torcedor LGBTQIA+. Em relação à saúde mental, que ainda é um tabu na sociedade em geral, falar dele no futebol é um tabu maior ainda. Porque é um ambiente de homens, para homens, onde só tem gente forte, bem resolvida. O torcedor pensa: será que eu tenho espaço para falar que eu não estou bem de saúde mental e meu time tem parcela disso? Indefinições A angústia vascaína se prolonga ainda mais diante da falta de perspectiva para 2022. O clube segue sem definições quanto ao departamento de futebol na temporada que vem, que promete ter novamente uma Série B muito disputada, com os rebaixamentos, no cenário de hoje, de Chapecoense, Sport, Grêmio e Juventude. Existe a expectativa de o presidente Jorge Salgado anunciar essa semana as contratações do novo coordenador e treinador. Para o cargo à beira do campo, o nome de Zé Ricardo está bem cotado. Fonte: O Globo Online