Feminino: Lateral Índia fala sobre passado no Amazonas e presente no Rio: ‘O Vasco abraçou minha história’ Terça-feira, 08/03/2022 – 14:28
Joseane Bandeira da Silva foi várias ao longo dos seus 27 anos de vida. Há quatro anos no Rio de Janeiro, a lateral-direita do Vasco deixou de ser a Jô ou Jose criada lá no interior do Amazonas para se tornar Índia e realizar o sonho de ser jogadora de futebol, que já estava adormecido no coração da menina de Missão, uma comunidade com cerca de 80 famílias localizada na cidade de Tefé.
Nesse Dia Internacional da Mulher, Índia olha para trás e sente orgulho da luta que enfrentou para estar hoje em um dos maiores clubes do país, o clube de coração do pai e da irmã. Lembra hoje com a mesma intensidade o frio na barriga que sentiu ao pisar em São Januário pela primeira vez. Se teve a oportunidade de se profissionalizar só aos 23 anos, a amazonense vê a filha Nicole, de 11 anos, seguir o caminho inverso. No Rio com a mãe desde o ano passado, a menina estuda e treina no Vasco.
– É muito bom estar com minha filha, vendo ela seguir esses passos, tendo a oportunidade de fazer isso cedo, estando numa base boa, e isso que quero para outras garotas. Sempre falo para ela valorizar, porque tem milhares de meninas querendo estar nesse lugar e tendo esse suporte. O Vasco me abraçou, abraçou minha história, um clube que realmente acolhe todos – disse Índia em papo com o ge, e completou:
– Esses dias estava pensando sobre sonhos, e tudo que eu sonhei eu realizei. Tenho minha família, consegui comprar minha casa, a meta agora é ser convocada para a Seleção, é um sonho não só pra mim, mas pra outras meninas que querem jogar futebol. Quando eu chegar lá, já posso me aposentar, ir criar meus peixes, ficar na minha rede (risos).
A brincadeira tem fundo de verdade. Graduada em Tecnologia em Produção Pesqueira e técnica em imobilização ortopédica, Índia fez morada na correria do Rio, mas quer de volta num futuro breve a tranquilidade do interior do Amazonas. Terceira mais velha entre os dez filhos de José e Carmen, a jogadora do Vasco foi introduzida ao futebol pelo pai e por um irmão e se destacou no time de futsal feminino da escola em que estudava.
– Eu sou muito caseira, fui criada no interior pescando, então vou voltar, vou criar meus peixes, mas isso no futuro. Sinto muita falta da minha terra, aqui é muita correria, outro mundo – destacou.
Até os 23 anos foi ao futsal que a atleta se dedicou. Com Manaus a três dias de barco de Tefé, Índia não viu possibilidade de ir fazer testes nos clubes da capital do Amazonas. Começou a pensar sobre o assunto quando recebeu o interesse de Edson Galdino, grande incentivador do futebol feminino, ex-treinador do CEPE Duque de Caxias e tetracampeão Carioca Feminino. Ele faleceu no início desse ano.
– Meu marido era do quartel e tinha um amigo sobrinho do técnico Edson, que me viu jogar e gostou, mas eu já tinha 23 anos e nem pensei em fazer teste. Terminei a faculdade e o curso técnico, fiquei sem o que fazer num período, e meu marido me incentivou. Sempre tive o sonho de jogar, eu e minha irmã Jainy ficávamos brincando de fazer entrevista, estou realizando o sonho dela também.
Na cara e na coragem, a amazonense entrou em um avião pela primeira vez na vida rumo ao Rio de Janeiro, onde ainda não conhecia ninguém. Foi recebida por Edson e ficou alojada na casa do treinador, de quem recebeu o apelido de Índia. Pelo Duque de Caxias, foi vice-campeã carioca em 2018 e chamou atenção do Vasco no ano seguinte, em um jogo contra as meninas da Colina.
Assim a Cruz de Malta, velha conhecida da família, entrou de vez na vida da lateral, que se transferiu para São Januário em 2020. No Vasco conseguiu se reorganizar e trazer a filha Nicole, que tinha ficado com a família em Tefé. Hoje, tem a própria casa em Nova Iguaçu, onde vive com o marido José. A escolha pela carreira fez Índia deixar pra trás a relação próxima com os pais, que moram numa comunidade sem sinal de telefone e, por isso, não se falam com tanta frequência.
– A primeira dificuldade foi andar de avião, vim embora sem ninguém, com a cabeça a mil. Outra dificuldade foi a alimentação, o feijão preto do carioca (risos), o clima e a agitação. Lá são duas estações: quente e calor. Os treinos também foram difíceis, a rotina pesada, me adaptar tática e tecnicamente, eu nunca tinha trabalhado só com futebol, mas é um trabalho que amo, uma diversão com responsabilidade – contou Índia, e aconselhou:
– Temos que sempre acreditar no potencial, buscar o “sim”, porque nós mulheres, principalmente, temos o “não” o tempo todo, porque nos acham frágeis, tem sempre alguém dizendo que não vamos conseguir. É trabalhar bastante, orar e agir, sair da cama e buscar o melhor de si.
Em sua terceira temporada com a camisa do Vasco, a lateral vê traços de evolução no time, que já contratou nove reforços nesses primeiros meses de 2022. Com o foco na Série A1 do Brasileirão Feminino, Índia comemora uma contratação de peso para a beira do campo: a ex-jogadora Pretinha, que também defendeu a seleção brasileira, é a nova auxiliar técnica da modalidade.
– A Pretinha chega num excelente momento, para agregar, uma pessoa super humilde. Estamos tendo contato direto com ela, canal aberto de comunicação, chega e nos sugere formas diferentes de fazer as jogadas. Ela entra nas brincadeiras também, uma honra trabalhar com ela – concluiu índia.
Os treinos do time feminino acontecem na Vila Olímpica de Caxias, no Artsul e em São Januário. Em 2022, o Vasco vai disputar novamente a Série A2 do Brasileirão, com início marcado para 21 de maio, além do Campeonato Carioca no segundo semestre.
Índia com a braçadeira de capitã do Vasco
Fonte: ge