Leven Siano fala sobre o Projeto Somamos Sexta-feira, 31/12/2021 – 07:41 Tua imensa torcida bem feliz. Não há ninguém que conheça de futebol e não reconheça este trecho como parte de um dos hinos mais icônicos de clubes brasileiros. Mas a realidade atual do Vasco da Gama e sua fiel massa de adeptos está cada vez mais distante da homenagem feita por Lamartine Babo na década de 1940. É, praticamente, impossível encontrar um vascaíno que esteja orgulhoso do caminho que o Vasco seguiu nos últimos anos. E para essa torcida tão apaixonada é ainda mais doloroso pensar que tudo poderia ter mudado no dia 7 de novembro de 2020, se não fosse a intervenção da justiça na primeira eleição direta do clube por meio de decisões incabíveis. O que teria, afinal, acontecido se a eleição daquele sábado não tivesse sido suspensa por uma liminar proferida no plantão do Superior Tribunal de Justiça em um dia em que o órgão estava fechado por um ataque hacker? Qual seria o futuro do Vasco após sua primeira eleição democrática?
Nós não nos metemos a ser videntes e não temos bola de cristal, mas, para tentarmos desenhar o cenário no qual o Vasco estaria inserido atualmente, conversamos com o advogado e administrador Luiz Roberto Leven Siano, candidato à presidência do Vasco em 2020. O clima em São Januário na eleição e a pesquisa boca de urna apontavam que Leven Siano seria o vencedor naquele dia. O tão aguardado Projeto Somamos seria, enfim, implementado no Vasco da Gama. E o que de fato mudaria? Em longo prazo, absolutamente tudo.
Sobre a série de decisões judiciais esdrúxulas, Leven Siano faz coro com as opiniões emitidas nas primeiras reportagens sobre a judicialização nas eleições vascaínas. O advogado se apega a um fato novo, no entanto, para aumentar o absurdo que é o cenário desenhado pela Justiça brasileira neste assunto. O Flamengo teve suas eleições presenciais deste ano, no início do mês, em risco por um movimento parecido com o feito naquele 7 de novembro de 2020. Desta vez, a Justiça resolveu respeitar o estatuto do clube. Leven aproveita para chamar atenção para o tratamento dado pela imprensa à questão.
Vento que venta cá não venta lá
“Essas coisas que aconteceram na Justiça e o silêncio da imprensa sobre isso só foi um pouco alterado quando vem as eleições do Flamengo, pois você tem o mesmo tribunal, a mesma matéria, a mesma discussão e a decisão de que a eleição tem que ser de acordo com o estatuto. É a mesma lei e o tribunal decide que se tem uma lei que modificou alguma coisa só se aplica para os estatutos que forem feitos daqui em diante. Os estatutos anteriores são como um contrato e a lei não retroage para modificar contrato que já foi feito anteriormente. Está na Constituição Federal. A lei não retroage para violar o ato jurídico perfeito. E, além disso, esta lei não pode ser interpretada de uma maneira a tirar a liberdade do estatuto ser feito da maneira que o clube quer em função do que está no artigo 217 da Constituição Federal. O tribunal decidiu para o Flamengo diametralmente o oposto ao que decidiu para o Vasco. As decisões sobre as eleições do Flamengo acabaram por ligar um sinal de alerta na imprensa de que algo pode estar errado.”
No lugar da Série B, manutenção na Série A e Copa Sulamericana
“Nós não teríamos caído. O Vasco caiu por muito pouco. O Vasco perdeu de 3 a 0 para o Fortaleza em São Januário logo depois o Salgado (atual presidente) ter dado uma entrevista dizendo que a primeira coisa que ele faria se tivesse dinheiro no caixa seria pagar as pessoas que emprestavam dinheiro no clube, inclusive ele mesmo. Eu cuidei de jogadores a minha vida inteira. Fui advogado de muitos. Conheço como funciona a cabeça de jogador. Os caras estão sem receber a meses, estão lutando para o clube não cair, estão disputando, mesmo sem receber, mas sabe que uma hora vai receber. Eles são jovens, mais cedo ou mais tarde recebe. Ele pensa: “Se não está pagando é porque não está podendo. Como assim vai se pagar primeiro e a gente que está se ferrando aqui no campo, recebendo xingamento, recebendo vaia, correndo, vai ficar sem”. Aí, o jogador desacelera. Eu tinha uma psicóloga contratada, que já foi da Seleção Brasileira, em projetos de sucesso. Especializada em motivação esportiva. O time estava muito para baixo então ela podia dar um UP. Eu já estava fechado com Alex Evangelista, que é um grande fisiologista, que cuida do Gabigol (jogador do Flamego). Ele ia pegar alguns jogadores específicos que não estavam rendendo para fazer um trabalho especial. Íamos mexer com a cabeça e com o corpo, além da motivação da minha presença, com a torcida fechada comigo, com o bicho que a gente estava reservando para as vitórias. Inclusive eu tinha pedido ao Campello (ex-presidente do Vasco) para começar a interferir já antes da posse, em novembro, pois eu tinha jogadores alinhavados.”
O projeto somamos e o Vasco transformado
O convite ao conhecimento do projeto Somamos, que Leven Siano ressalta que é fruto de uma pesquisa de campo em vários países do mundo, se aproximando de pessoas que pensam futebol de diversas maneiras, deve ser levado a qualquer amante do futebol, seja ele vascaíno ou não, pois realmente muda completamente o jeito de se vender e comprar a modalidade. Algo que pode ser, como Leven mesmo diz, inédito no mundo. À primeira vista, causa espanto pela diferença abissal da realidade atual, mas a leitura mais detalhada dá segurança para as validações necessárias. Para Leven, o torcedor é um dos pontos cruciais da operação. E tudo que há no momento deve mudar.
“O torcedor é um stakeholder. Talvez o mais importante, pois ele é, na verdade, o cliente. Os clubes de futebol, em geral, têm uma gestão operacional reativa. Esse é um defeito crônico de gestão dos clubes de futebol. Eu acho que a gente precisa pensar futebol de uma maneira mais estratégica. Você tem que ter não só uma gestão operacional, mas uma gestão estratégica. Falta planejamento estratégico para os clubes de futebol em sua maioria. A identidade organizacional é um elemento do planejamento estratégico. Mas o planejamento é mais do que a identidade organizacional e é exatamente buscar atender a essas demandas às vezes até ocultas da sociedade como um todo. O futebol ele pode realmente ser inspirador não só do ponto de vista do que entregar para o seu torcedor, mas sim entregar para as comunidades, para a sociedade. Isso é muito pouco pensado”.
“O projeto somamos experimenta. Tem umas ideias como associação gratuita no primeiro nível. Nós tínhamos a ambição de tornar o Vasco o clube com maior número de sócios torcedores do mundo. A estratégia era que a porta de entrada fosse de adesão gratuita. A única coisa que a gente pediria em troca é o tratamento dos dados. Pois pela Lei LGPD, você tem que ter autorização para isso. Então, é a única coisa que pedimos em troca. Você vai entrar no nosso ecossistema, mas terá que nos autorizar a usar os dados. Você vai ser sócio do Vasco gratuitamente. Dentro daquele ambiente virtual você teria nível um, nível dois, nível três, com entrega de mais serviços. Isso que os clubes não souberam fazer ainda. A torcida do Vasco tem uma capacidade de engajamento maior que a das outras. Mas mesmo no Vasco, com vinte milhões de torcedores, nós temos 40 mil sócios torcedores. Quanto isso é percentualmente?
“Pois se você olhar para o clube, o que é o clube do Vasco do ponto de vista de entregas das suas sedes sociais ?O que oferece para o seu associado? Calabouço abandonado, sede náutica abandonada, São Januário ainda mais abandonado, com a ida da direção para o Centro da cidade. O que oferecemos para o nosso associado? Nosso sócio estatutário, patrimonial? O que você oferece para o torcedor, o que você oferece para a sociedade?”
“No ponto de vista de clube social mesmo, o Vasco é um clube de terceira categoria com relação às suas sedes, por isso seja um club e não clube. O que ele oferece para o seu associado? O nosso projeto pensava muito nisso. Quer transformar a sede do calabouço em uma guarderia náutica que é autossustentável. Em oito anos ela se paga. Pois a marina da glória, que está ali ao lado, já está assoberbada. Então tem espaço para garagem de barco, garagem de jet ski. Isso está em nosso projeto. Na sede náutica, propomos uma academia que geraria receita para o clube. Íamos ter uma loja ali embaixo, que não tem. Você só ia poder entrar na sede náutica pela loja, no conceito Disney.”
“Teríamos o salão mais democrático para ser alugado para festas em um lugar lindíssimo. Propomos um restaurante, um bar na cobertura. Isso tudo você oferece para o sócio. Então identificamos o que podemos oferecer para o nosso torcedor. Esse é o terreno inexplorado do futebol. Por que o futebol hoje é tão dependente da receita de televisão? Porque ele está ali girando em torno do próprio rabo. É o futebol em cima do futebol.”
O projeto Somamos no horizonte vascaíno
Quando perguntado sobre o futuro, Leven é categórico em afirmar que a decisão mais fácil seria sentar e esperar as próximas eleições, já que pesquisas mostram que ele tem grande chances de ser eleito com a maior votação da história do clube. Mas o momento atual, com rumores de apequenamento do clube e a sombra da SAF cada vez crescendo mais não o deixa tranquilo. Leven deseja interceder.
“O Leven Siano vai estar onde o vascaíno quiser que ele esteja. Ele está me pedindo para intervir e eu estou tentando trazer opções fortes. O voto é um caminho. O outro é buscar um comprador honesto para o Vasco. Se houver algum movimento no sentido do que a gente está vendo, de venda por um preço de ninharia para um comprador que a gente não saiba quem é, a gente vai buscar uma opção melhor e vamos jogar em cima da mesa. Não vou desistir do Vasco só porque eles desistiram”.
“A minha maior contribuição é ajudar para evitar que o Vasco tome um passo que possa ser irreversível. Pois quando você toma esse passo de venda do futebol é irreversível. Você não consegue voltar atrás. Então esse era o meu desespero maior, mas eu estou à disposição do clube. Meu objetivo é mostrar para quem está no Vasco que existem outras formas de captar receitas que impeça a necessidade de vender. O grande problema do Vasco, do Salgado, do Campello, do Eurico, do Roberto, é esta falta de capacidade de captação de novas receitas e a ausência de uma visão estratégica inspiracional. Uma gestão que é sempre reativa. Não tem uma gestão estratégica, não tem uma identidade, não tem uma visão, valores, propósito, caminho. Falta também vendedores hábeis, uma venda eficaz dos valores, essência e marca do clube. Isso vale muito mais que o futebol, que só atrai empresários ávidos a vender jogadores ou ganhar com a revenda na alta de um clube comprado na baixa. O melhor parceiro que podemos ter é alguém que se apaixone pela nossa identidade. Isso temos que construir ainda, precisamos de tempo. Se isso acontecer, não precisa virar SAF, de forma atabalhoada agora só para salvar essa gestão. Temos que pensar no Vasco institucionalmente a longo prazo e não em um mandato específico, por sinal, horroroso.”
“Existe muito dinheiro no mundo para projetos. Existem trilhões de dólares para projetos. Mas você tem que ter projeto. As pessoas acham que projeto é meia dúzia de slides. Projeto significa você fazer análise de concorrência, análise de mercado, financeira, operacional. Planejar, propor planejamento estratégico, fazer análise pastel, swot, sw grid, estudo situacional. Você propor soluções. Existem pessoas e fundos ávidos a investir em projetos. Então eu acho que, muito mais importante do que vender o futebol do Vasco, é vender projetos para o futuro do Vasco, ou seja, um Vasco projetado pensado estrategicamente de forma SO, ou seja, em torno de suas forças (strengths) e oportunidades (opportunities). E é isso que a gente fez com o somamos. Então a minha maior tristeza é não ter ainda tido a oportunidade de colocar em prática aquilo que foi construído trazido do mercado. Um resultado de uma pesquisa de campo e, em uma segunda etapa, brainstorms com executivos da equipe que são extremamente gabaritados. Algo viável e palpável, que assusta pela distância da realidade do clube, já que é inédito na história do futebol, mas que quando fizermos, será lembrado na história.
Fonte: Povo na Rua