Jaguaré foi ídolo no Vasco e no Marselha nos anos 20 e 30; confira a história do goleiro Quinta-feira, 31/08/2023 – 12:39 A conexão Vasco- Olympique de Marselha está em alta, mas não teve origem em Dimitri Payet. O meia francês, que foi ídolo da maior torcida de seu país, pode se inspirar no sucesso de um dos maiores goleiros da história do Vasco para repetir o sucesso no Rio de Janeiro. Há mais de 90 anos, Jaguaré se tornou uma lenda histórica vascaína e foi ídolo em Marselha.
A história de Jaguaré Bezerra de Vasconcelos, ou simplesmente Jaguaré, se confunde com a do clube Vasco da Gama. O carioca, nascido em 1905, é apontado como um dos pioneiros entre os goleiros a usar luvas no Brasil e o primeiro a fazer um gol entre os jogadores da mesma posição no país, além de ter sido o primeiro convocado do clube para a Seleção. Conheça mais sobre o arqueiro na reportagem abaixo.
Origem
Nascido em maio de 1905, Jaguaré foi estivador antes de chegar ao futebol do Vasco. O goleiro trabalhava no cais do porto do Rio de Janeiro, até ser descoberto por Espanhol, zagueiro do clube, que o conhecia da equipe Pereira Passos. O jovem carregava sacos de 50 quilos com uma mão e fazia malabarismos com eles, leveza e alegria que carregaria consigo em campo, logo depois.
De jeito único, Jaguaré chamou a atenção de todos, desde sua chegada ao Vasco, pela irreverência, além da qualidade notória embaixo da trave. Brincalhão, o goleiro driblava jogadores adversários, defendia, acertava os rivais com a bola, para desconcentrá-los, e até fazia gol. A torcida o amava.
“Walfare (técnico do Vasco), britânico até a medula dos ossos, não pôde conter uma frase de admiração ao vê-lo realizar malabarismos no gol. Disse: ‘Este é o arqueiro que dará vitórias ao Vasco. Dará, sobretudo, confiança ao quadro. Será perigoso pelo excesso de arte, mas nos dará muita satisfação”‘, escreveu Geraldo Romualdo da Silva, em obituário publicado no Jornal dos Sports, em 1946, disponível no Acervo Digital da Biblioteca Nacional.
Foi convidado aos treinos da equipe de São Januário e estreou pelo clube em 1928. No mesmo ano, virou titular da seleção brasileira e entrou no lugar de Amado, arqueiro do Flamengo. Assim, tornou-se o primeiro jogador do Vasco a defender a Seleção.
– Não houve até hoje maior fonte de anedotas no futebol do que Jaguaré. Com toda a sua cultura, com todo o seu desconhecimento das coisas mais simples, conseguia ser um sujeito fabuloso pela maneira fácil de transformar uma tragédia em dito cômico – publicou Geraldo.
O goleiro fez parte de um dos maiores times do Vasco: o do fim da década de 20 e do início da década de 30. Campeão estadual em 1929, Jaguaré foi titular na maior goleada da história do clássico contra o Flamengo: o 7 a 0 de 1931, com quatro gols de Russinho, dois de Mário Mattos e um de Sant’Anna.
Profissional no Barcelona
No mesmo ano da maior goleada do “Clássico dos Milhões”, o Vasco fez sua primeira excursão à Europa, na qual Jaguaré chamou a atenção ao enfrentar o Barcelona, da Espanha. O time da Catalunha ficou encantado com as atuações do goleiro e de Fausto, a “maravilha negra”, nos dois amistosos e ofereceu um contrato aos jogadores, que, seduzidos pelo profissionalismo, rumaram ao Velho Continente.
Os dois jogadores do Vasco foram os primeiros brasileiros a atuarem pelo Barcelona. Com as chegadas de Fausto e Jaguaré, as expectativas em cima deles se concretizaram, e os atletas foram apontados como grandes contratações do Barcelona por Samitier, um dos maiores jogadores da história do clube catalão, apontado como “Deus do futebol espanhol”.
Veja as reportagens do O Globo na época:
Em seis meses em Barcelona, no entanto, não conseguiu jogar regularmente por ser estrangeiro. Segundo o L’Équipe, maior jornal da França, a equipe da Catalunha pediu que Jaguaré se naturalizasse para substituir o lendário goleiro Zamora, mas ele preferiu voltar ao Brasil, onde defendeu o Corinthians. Lá, em 1934, é dado o pioneirismo de que foi o primeiro goleiro a usar luvas em solo brasileiro.
Carreira no Olympique de Marselha
Jaguaré chegou ao Olympique de Marselha em 1936, decidido a voltar à Europa. Primeiro brasileiro da história do clube e do Campeonato Francês, o goleiro foi campeão francês em 1937 e conquistou a Copa da França em 1938.
O dia que resume perfeitamente a carreira de Jaguaré foi no dia 1º de maio de 1938, na reta final do Campeonato Francês. O Marselha enfrentava o Sète, rival do Sul da França, a dois jogos do fim da competição. O segundo colocado contra o terceiro. Abaixo, o relato do jogo disponível no jornal “L’Équipe”.
O árbitro Roger Conrié deu três pênaltis na partida. No único para o Marselha, na ausência dos principais batedores, o capitão Ferdi Bruhin – que não quis cobrar – apontou para o goleiro brasileiro, que chegou com os braços balançando e um sorriso no rosto, sem sequer se preocupar.
Jaguaré indicou o lado que iria bater e cobrou lá, o goleiro adversário pulou para o outro canto e sofreu o gol de empate do jogo. Até hoje, Jaguaré é apontado como o único goleiro do Marselha a marcar no Campeonato Francês.
Na mesma partida, houve dois pênaltis para a equipe de Sète. Jaguaré provocou os rivais pessoalmente nas duas cobranças. Primeiro, lembrou ao batedor, o espanhol Balmanya, que a Guerra na Espanha estava acontecendo. O adversário chutou para fora. O segundo, o jovem Danzelle, também caiu na provocação do goleiro, que defendeu a cobrança. Fim de jogo. Empate em 1 a 1 – que não foi bom para nenhuma das equipes, que viram o Sochaux terminar como campeão.
Em 2019, o Olympique de Marselha divulgou uma enquete no site oficial do clube para eleger o maior goleiro da história da equipe, e Jaguaré apareceu entre as cinco opções, ao lado de Barthez, campeão do mundo em 1998.
Fim da carreira e morte como indigente
Jaguaré saiu do Marselha como ídolo, teve passagem apagada pelo Academico de Vizeu, em Portugal, e voltou ao Brasil, pobre, após gastar todo o dinheiro que havia conquistado na Europa. O goleiro tentou seguir a carreira no São Cristóvão, mas não deu sequência. Voltou às origens, no cais do porto, para voltar a trabalhar com os sacos.
Após um sumiço, foi encontrado morto como indigente em agosto de 1946, em Franco da Rocha, no interior de São Paulo. A notícia da morte de Jaguaré foi destaque na maioria dos jornais da época.
O fim da vida de Jaguaré não teve o mesmo holofote de sua carreira vitoriosa, nem a alegria que a ele era relacionada. Segundo relatos da época, o Vasco tentou trazer o corpo para o Rio de Janeiro, para que fosse enterrado onde nasceu e se tornou lenda, cumprindo o que Babilônia, como era chamado, sempre quis.
“Babilônia nasceu vascaíno, Babilônia só sairá do Vasco para a sepultura. E quando morrer, pedirá ao Almirante que lhe arranje um cantinho de terra, aqui, no estádio”, dizia Jaguaré, segundo Geraldo, em obituário publicado no Jornal dos Sports, em 1946, disponível no Acervo Digital da Biblioteca Nacional.
Fonte: ge (texto), Twitter oficial do Vasco (vídeo)
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